segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Ver é sempre ainda...


Eu vi,aquele homem das estradas. Quando passávamos próximos à serra,notei seu andar firme e seguro. Caminhava como quem já havia explorado todos os centímetros do lugar,a vida animal,os perigos,a vegetação,as fontes de água pura e os alimentos mais venenosos. Trazia no olhar a serenidade de um antigo explorador. Atingiu-me no centro da alma com seu silêncio. Como quem respeita a tudo e a todos e guarda por isso,aquela presença silenciosa.
Era uma época em que eu não me reconhecia. Na verdade, estava a me conhecer novamente e a estruturar as pontes a vencer,as pessoas a alcançar,vidas a tocar. Deixei para trás campos imensos, pessoas mil, vales fantásticos de matéria eterna. E agora ouvia clamores daquelas tribos, esperavam de mim um retorno impossível pois eu já não era mais a mesma.
Grandes são os laços que nos unem aos lugares que passamos,e aos seres que nos envolveram. Quando deles trazemos lembranças tão marcadas,é como voltar àquelas vidas cerradas e saber que por trás das aparentes mudanças,das folhas que caíram,dos ciclos que se completaram, ainda estarão lá as grutas que um dia te serviram de abrigo,as enormes árvores de uma existência constante e que são sempre um refúgio. É a volta,é o chão,e não há nada melhor quando se perde o caminho. Olhar para trás e poder ver então,as tuas bússolas.
Mas...quando no instinto do aventureiro os lugares se tornam repisados, a inquietação por explorar novos espaços e poder chamá-los de conquistas- o move. Conhecer,olhar o não visto, tocar o que era intocável tempos atrás, dá para a alma a sensação de crescimento,um aumentar de tamanho que só quem ousa procurar o que há além dos horizontes,é que pode acender no coração a dor e a graça das partidas.
Explorar ,sem tirar proveito. Andar, sem deixar rastros. Alcançar topos sem querer reter as fontes,nem prender os pássaros ou colher flores e sementes que pertençam ao lugar. É a mágica de quem se entrega a viajar para as profundezas da liberdade.

O homem das estradas ainda estava ali. Embora estivesse com suas malas prontas,ainda olhou para trás. E me transmitiu,com um novo olhar,o brilho da absorção de luzes invisíveis. Ofereceu-me gratuitamente a passagem para minhas próprias descobertas e deixou o lugar como quem apresenta pistas para as desmedidas extensões de uma alma consumida pelas inexatas possibilidades de caminhar por si...

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