quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

A analista de tipos ou o mal de conhecer.


Já não era incomum sentir aquele aperto no peito de quem vê por através dos gestos, aparências e dos olhos.Ela sabia que conhecia. E era tão denso o seu conhecer que andava em busca do gesto que fugia ao comum, um gesto original para impulsionar-lhe a vida.
Desesperava-se.
Houve uma época em que duvidava daquilo que via e passava horas a questionar e a observar nos dias, as formas de apreciação das relações...mas,não mais. Agora era claro e evidente.
Pessoas entregavam-lhe intuitivamente suas condutas, internas e externas.
O cara dos instrumentos a viver da variação dos sons, dificilmente permitia-se variar as idéias ou a rotina a que um dia se submeteu. Sem comentar do orgulho.
Mal enxergava que a entrega a uma insistência privava-lhe de diferenciar seus próprios ritmos e caminhos. Ela desvendava-lhe todos os mais profundos impulsos e sentimentos.
A moça dos espaços acreditava que a existência era impossível sem a aplicação de sua ciência, assim como também acreditava ser aquela matemática, a achar que era do reino das impossibilidades a falta dos números. A artista a imaginar fromas invisíveis para preencher as divisões entre tempo e espaço.
Cada um via o mundo a seu modo e à sua forma mas, quantos imaginavam o seu avesso?
Nem mesmo a analista conseguia se desvencilhar de tudo que herdou. As causas, o profundo dos porquês, o interno dos tipos que tinha ao seu redor.O conhecimento que lhe saltava aos olhos: perguntou-se de onde viera aquela capacidade. Seria alguma maldição? Força do destino, sina,desígnio dos céus? Escolha,vontade,acaso?
De que adiantava seu dom se ele não ultrapassava as paredes de si mesma? Ou até mesmo a parede dos ouvidos e olhos que encontrava por aí? Estava certa de que não trascendiam.
Levaria consigo aquelas visões que já lhe tiravam a tranquilidade da esperança em surpreender-se.
Todos os que diziam que ela não sabia viver enxergavam o papel nela impresso, o seu cartão de visitas: a analista que não sabia finalizar suas conclusões. O coração a bater alto confundia-lhe os sentidos. Enxergar(em) além...era difícil sim.
Ficavam a imaginar quantas coisas já não tinha ela vivido para poder escrever assim...Nem podiam mesmo suspeitar, a sensibilidade que lhe era tão cara, rica a deixar estragar percepções imensas, o fruto belo e maduro não colhido do pé.Os afetos não vividos, as emoções negadas.
Mas a vida queimava a todos, em todos. Raios de sol a maturar sementes, a despencar os tais frutos. Inquietação do sol refletidos ali.
Era engraçado assisti-la passar como quem assiste a um drama estrangeiro sem poder mudar-lhe os rumos do fim. Ela gostava de acreditar afinal, que aqueles motivos eram de alguma forma nobres para cada ser assim caminhar.
E mesmo quem lhe enxergava o mais profundo, não a fizera aprender a conhecer em si mesma tudo aquilo que ainda não fora vida. Desconsolada de sua desperdiçada intuição,ia preenchendo seus famosos formulários de ser quem se é,com espaços em branco e a nítida impressão de que seus sonhos mais íntimos guardavam-se ocultos em sua parca porção de vida.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Eu, pássaro raso...



É, então eu pousei.
Neste espaço em branco me voltam à memória os dias espaçados e também vazios que as férias me proporcionaram. Uma sensação de que algo se transformou me acompanha, persistindo da manhã até à noite e, mesmo que não fique ainda tão clara com a luz do dia , faz voltar a brilhar a rotina que me acrescenta certo sentido.
Sentidos são sentidos, nem sempre é possível expressar aquilo que nos toca na alma,mesmo que as aves voem e sigam seus rumos instintivamente. O tamanho do vazio que faz com que eu me proteja só é visto lá do céu, onde as nuvens imensas povoam as habitações e apenas um regente central as comanda. É Ele o dono das aves do céu, dos peixes do mar e dos humanos,que habitam entre os dois.
E fico a olhar o horizonte, tentando relembrar o rumo, aquele que um dia nasceu comigo mas cujo instinto do ponto de chegada vejo desbotar.
Já não sei o que é intuir e o que é refletir,nem mesmo sei o que me separa do animal que seu canto oferece aos lugares por que passa. Se me recolho ao silêncio é para ouvir melhor a voz que chama ao descanso das responsabilidades barulhentas que um dia aceitei.
Não me junto a festas e vôos em bando, já não me satisfazem as multidões, nem as músicas de cores e flores que glorificam por aí.
Sou raso, prefiro as cores sós,e fico a observá-las e a tentar descobrir quantas diferenciações existem em um mesmo tom. Memso que de longe, afinal...a distância nunca me impediu de saber onde pousar.
Sustento a força da solidão quando vez por outra ouso visitar os que me querem bem. Também os quero bem,mas sou o pássaro raso.
Desta espécie são os costumes mais esquisitos e as grandes habilidades de defesa adquiridas ao longo da vida. Procuro a defesa das prisões,sejam elas frágeis ou extremas. A defesa dos dias em que não sabia bem o que cantar,ou como cantar e preferi o alento das folhas das árvores, da mãe natureza, do olhar para mim mesmo ao invés da decepção dos que pararam para me ouvir,sem saber exatamente o quê,sem eu ser exatamente o que queriam que eu fosse.
Há dias em que não se pode dizer nada e até o mais silencioso dos pios é capaz de acordar os ameaçadores donos de gaiolas. Sim ,tenho pavor delas e contraditoriamente não me importaria de por lá ficar,e cantar e ofertar tudo que recebi de meu Criador... mas só se mantivessem a porta aberta.
O Senhorio nem sempre sabe ver a necessidade de nós, os pássaros rasos.
Eu mesmo ainda estou aprendendo a ver.
Prefiro evitar as armadilhas e cantar a certa distância de segurança, onde me permito ser eu, a mim mesmo,sem restrições , e me permito ser eu ,para você, da forma como você prefere me ver.
A distância ofusca os defeitos. A eles já nos basta a consciência a dar peso.
Se a liberdade existe por entre os tempos e em meio aos desejos alheios, existem os vínculos fortalecidos pelo conhecer quem sou, existem feridas sendo curadas, afetos sendo cultivados , vidas em renovação,construção e descobertas ímpares que na lida com todos,cada um se dá.
São as condições da vida de um pássaro que não me tornam tão livre o quanto eu gostaria, mas livre o suficiente para não fugir à minha sina de voar grandes espaços.
A um pássaro raso, o meu respeito e compreensão.
À minha compreensão o assentimento de quem se viu um dia, rasa ,e profunda...simultaneamente.
Sabes como é grande o mundo e no entanto,cabe aqui dentro de mim.


Melodia 1: Toda a gente quer compreender a pintura. Porque não há nenhum esforço para compreender a canção dos pássaros? (Pablo Picasso)
Melodia 2: "Uma ave não canta por ter uma resposta, canta porque tem uma canção".(Provérbio Chinês)