domingo, 1 de novembro de 2009

Um pouco,para não esquecer...





Assim que nasci, recebi um nome considerado estranho,diferente: Josemaira .Uma mistura dos personagens bíblicos José e Maria, que por tanto tempo, estiveram nas cenas de minha vida. Não entendia os propósitos de minha mãe, mas dizem que alguns nomes são misteriosamente soprados no ouvido de seus pais, para que a criança receba junto à sua chance de vida, as lições e tarefas a realizar, e tudo que precisa cumprir.
Se isso é verdade ou mentira? Não sei ,mas procuro entender os propósitos de estar viva , os caminhos que escolhi trilhar, e aqueles que foram de alguma maneira,escolhidos para mim. Porque sim, Eu creio em um Ser maior que Sabe de Tudo o que nos acontece e nos presenteou com o livre arbítrio para seguir. Hoje sei a diferença entre Inteligência e Sabedoria, e também do puro e simples acumulo de informações.
Sou apaixonada pelos assuntos ligados à espiritualidade e ao auto conhecimento, mas foi lentamente que descobri que é no dia a dia,através de experiências e vivências e(sempre) na hora certa que se dão as maiores revelações. E nem tudo nos é permitido saber. Paciência: É preciso aceitar o mistério e entender que dEle brota alguma graça para a vida. Muitas coisas mudam, muitas delas são condições temporárias,mas o que é realmente verdadeiro,perdura pois: “aquilo que a memória ama fica eterno”. A duras penas aprendi a importância de dizer não e impor limites. Com um não tantas vezes se dorme de forma mais tranqüila, com a certeza de ter feito a coisa certa, e não aquilo que esperavam que você fizesse somente para agradar. Mas também descobri que, depois de dizer tantos “sins” ,ao dizer um não, você corre o risco de se tornar uma bruxa aos olhos dos que preferem a conveniência...E corre também o risco de esquecerem o que de bom você já fez.
Não consigo suportar mentiras ou preconceitos infundados mas sim: sou capaz de perdoar,desde que não abusem de minha misericórdia pois “a misericórdia também corrompe.” Não sou mais a favor da boa educação nem da política da boa vizinhança quando tudo que seu coração quer é dizer umas boas verdades. Para o inferno a boa educação sem sinceridade, porque é quando nos calamos diante do sofrimento alheio, que estamos permitindo que a maldade se prolifere. Detesto então a hipocrisia, a falsidade, o comodismo, gente interesseira, folgada, e os que se fazem de coitados, que não provocam as mudanças necessárias a fim de serem donas de seus próprios destinos. Afinal é sempre mais fácil culpar alguém ou alguma condição pelo seu fracasso... do que reagir.
Aprendi com meu melhor amigo, que podemos sim fazer a diferença na vida das pessoas. Basta ter fé, paciência, constância,perseverança e coragem para saber lidar com as frustrações. E se você não tem tudo isso, pode aprender a ter.
A duras penas também descobri que existem pessoas tão centradas em seu ego que não sabem olhar a necessidade daqueles que estão ao seu redor e vivem uma vida fútil e sem propósitos. Mas não devemos julgá-los pois cada um tem seu ritmo e sua maneira de adentrar os caminhos da evolução. Muitas vezes,essa maneira é a dor,que mesmo sendo “áspera”, é uma ótima professora. É preciso respeitar as limitações de cada um, já que temos as nossas próprias e estamos aqui para lapidá-las.
Importantes são as pessoas que nos arrancam um sorriso gratuito, que nos permitem SER quem somos, sem pressões, exigências , falsas esperanças ou secretas demonstrações de inveja. Verdadeira é a alegria que provêm das coisas simples, das conquistas que nascem de nossos esforços e que tudo que se consegue muito fácil, geralmente é desprovido de valor.
Hoje sei valorizar o meu nome. Não por acaso ele está ligado a nomes bíblicos. Hoje consigo ser Eu mesma, e não uma cópia do que já existe. Amo a minha liberdade, mas sei a hora de perdê-la (ou de reconquistá-la) pela tão nobre causa do amor.
Antes que eu vire apenas um porta retrato numa parede qualquer, que venha a vida e suas mudanças (e tudo mais)! Quero viver. Evoluir. Não apenas existir.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Outros tempos...


...Então um dia, você está deitada perto da janela,e a chuva cai.
E olha para aquela parte em que a gente pode se debruçar...e não se importa com o descompromisso de esquecer nomes...nem mesmo de dizer aos outros quem é você.
A sensação de milagre simplesmente invade a tarde.
E você pode então sorrir...feliz, por haver compreendido todos aqueles pequenos detalhes que discorreram de uma época anterior...
Anterior àquela janela ali, em frente, até o momento em que se vive.
E tudo se torna então leve e azul, e aqueles pingos nitidamente se enlaçam com o que foi e o que será, deixando a alegria de um dia de pequenas e felizes transgressões.
E você pode sorrir ao se levantar, deparar-se com a bicicleta ao alcance da vista e no coração a lembrança daquilo que se leu:
"Mas o sonho do improvável tem nome. Chama-se "esperança".

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Retrocesso existencial...



Não foi por um mero acaso que me deparei com ele.
Tinha por volta de uns 36 anos, e os olhos castanhos claro denotavam a reprimida (mas feliz)infância, fosse nas oscilações de expressão,fosse na instensidade da luz.
Quem olhasse mais profundamente, poderia enxergar as marcas de um elemento etéreo submetido a viver nas dimensões terrestres, na diminuta esfera de seres humanos dissonantes. O modo como se vestia já não realçava mais sua presença, era tido como um descaso a lidar com o mundo das relações, um sem cor que vagava como um participante qualquer de uma festa que ele não reconhecia.
Não que não lhe dessem importância,pois estavam sempre a citá-lo como fonte de inesgotável saber e a ouvir suas estratégicas informações. Mas estava claro que ele não sentia os motivos para comemorar.
Em um desses dias abafados e nublados de verão que precedem uma primavera, que o encontrei. Era um verão inusitado de sinais ininterruptos, e o pouco sol a entrar pela janela deixou-o à vontade naquele limite de conhecidos e desconhecidos.
Eu o via como o eterno filho. Carregava ainda as broncas e o denso vínculo estabelecido desde o útero, aceitava com extrema e autêntica resignação aquele que seria o seu universo. Interno.
Submerso em questionamentos e preocupações, em suas meticulosas abordagens teóricas sobre o que era a vida, em seu incessante encaixe de suas novas aquisições culturais,deixava vagar pela esfera de sua duvidosa influência os sentimentos e tendências naturais que abrigavam sua voz recortada. Atrás daquele homem, eu via a dor a cada dia compactada , dor de quem caminha com a desconfiança de viver a expressão mais contemporânea de ser alguém que não deu certo. Sabe-se lá a relatividade da expressão em um ser que já havia buscado tantos caminhos. E eu o transformava agora em matéria prima de minhas observações.
Via que levava seu coração nos olhos,nas mãos ,nas manias e até mesmo nas asperezas cotidianas. Era mais um a clamar por atenção,tão isolado estava do mundo dos seres comuns,mas ao mesmo tempo tão próximo, lutando intimamente para re-conhecer-se como parte daqueles sistemas que tantas vezes negava. A negação nada mais era que a ausência sentida, a vontade de pertencer ao mundo dos mortais que amam,trabalham, voltam para casa cansados mas felizes por tudo que um dia ousaram enfrentar,mudar e conquistar. Tão isolado estava das normas sociais,tão imerso com aquele mundo dentro de si, rico e pobre, de visão além... mas gestos entrecortados que não escondiam a imensa e insana solidão de um ser mas denunciavam que, o mundo que havia fora do habitual e do comum desejava,ardentemente...abraçá-lo. Vivenciá-lo e mostrar nas lacunas que somente ele percebia,o que havia de mais além daquele isolamento,o que havia de mais além daquele unir-se sem a consciência,sem a experiência, sem a eterna marca de um dia ter realmente estado só...

sábado, 22 de agosto de 2009

No chão do quintal estavam algumas folhas secas e a poeira espalhada que remetia às ações dos homens povoando aquela região. A imagem recortada de um céu acinzentado prometendo tempestade, fazia diluir em seus olhos a esperança de que seu tempo de compreensão e vida havia chegado. Nunca tinha sido permitido a ela entender as raízes. Não porque não quisesse. Uma planta pairando no ar quer sempre completar-se pelo chão,pelos espaços que ainda não explorou. Mas todas as vezes que algo ameaçava se fixar, o tempo móvel lhe desarrumava tudo. Cresciam ao seu redor as pontes em pedaços que lutava por concluir. Nunca chegara ao outro lado, ao outro que podia então oferecer-lhe raízes tão profundas que a presenteriam com a tão esperada sensação de fazer parte de um sentido. Não achava justo pensar que teriam que lhe conceder a volta para casa, mas não mais justo era pensar que a conquista dos mapas,do verdadeiro caminho, custava-lhe tão caro e era sempre passível de transformações que não poderia reter. O tempo - móvel. Sempre impedindo que esquecesse de vez a condição de humana mortal,limitada e presa naquela solidão.O espaço,ao seu redor. Tempo e espaço denunciando ausências e desvios de rota. Difícil confessar sua fragilidade quando tanta coisa a segurava suspensa no ar,talvez impossível:os ramos a prendiam naquelas relações incomuns,a fim de permitir a sobrevivência às outras espécies. Não reclamava, mas já se sentia sufocada.
Sabia que Não lhe bastavam as raízes podres,que ela enxergava tão nitidamente daquele ponto onde estava, raízes cujo centro estavam sempre corroídos pela falta de entrega. Grandes ruínas sobravam, presas das raízes que sufocavam expansões. A visão ao menos a impedia de maldizer sua condição de ali existir como um sólido apoio. Suspensa entre a chuva e o sol, sombra e ventania, pedaços de si caídos e levados pra longe, outros surgindo; no eterno ciclo de ter que refazer-se, procurava dentro do todo o que sentia: o que haveria de ficar? De tudo que até então alcançava,já se despedia, e já que não lhe davam o chão, vislumbrava do ar o sonho dos novos lugares e caminhos por onde,um dia,quem sabe, chegaria a experimentar. Machados e construções, vizinhos desmoronados, cortes profundos no pouco que era,não a impediriam de conhecer sobre si,a cada dia, a sua versão maior até enfim...libertar-se.

domingo, 2 de agosto de 2009


Naquela tarde de inverno, senti um ar gelado adormecer os meus pés. Pensava que meus pés e também minha alma adormecida bastariam para deixar todas as coisas em seus devidos lugares, sem mudança alguma ou centímetros a mais ou a menos de qualquer movimento. Eu tentava inutilmente espremer no espremedor de alho, algumas nozes que ficaram de outra estação. Gostava de comê-las com banana, tudo amassado, para lembrar o sabor do sorvete que em tardes felizes, eu costumava ter como predileto. Fiz uma força danada e eis que ...o espremedor quebrou. Terminei de comer o que restava e fui para o quarto.
Em vão tentei pegar a fechadura: também estava quebrada! Voltei à cozinha e peguei o espremedor de limão,tentando fazê-lo funcionar como um tipo de alicate improvisado. Pensava então olhando para aquelas quebras repentinas: podem as coisas sair de suas funções? Podem as pessoas mudar o caminho para que foram feitas? Podem pequenas coisas nos transmitir sinais,coincidências, que há uma semana se repetiam?
Estes pensamentos me inquietavam e eis que ao fazer força para "espremer" a porta e tentar abri-la também aquela "peça",tão específica,...quebrou.
Num devaneio de alguns segundos lembrei-me da origem e do tempo daqueles objetos agora todos partidos. Eram os objetos rotineiros de uma vida em comum que fora alicerçada por almas indecisas, eram sinais remanescentes de uma vida partida de todos a quem dava tanta importância para manter saudável sua vida interior, seus afetos, vontades de carinho e cuidados...eram parte de algo que um dia chamou de família. Agora estava ali,uma vida que decidira começar sozinha, para ver até onde era capaz de chegar. Enchera-me no entanto de sonhos, não estava tão só assim. E descobri então que desertos em preto e branco também abrigavam anjos perdidos. Mesmo mantendo ainda o receio de encontros ,sentindo como se minha própria alma ficasse exposta e todos estivessem à espreita pra classificá-la...dei-me a chance de sair dali. A sensação que tinha, ao caminhar para o então desconhecido,era a de que fui feita pra gritar, e não gritava. Fui feita pra denunciar, apontar...e não o fazia, e talvez nascessem dali aquelas doenças.
Mas no fim do inverno, naquele céu cinza ponteado de azul,no sol baixo dando brecha ao escuro, vi aquela luz acender. Vi coisas que pareciam tão concretas se quebrarem. Senti o rompimento com aquele passado amargo e aquele silêncio insano. Senti também a reconciliação com todos que um dia partiram. Mas a vida estava prestes a mudar. E não haveria meio de estancar a esperança adquirida. Assim também viera afirmar a chuva que,naquele momento, torrencialmente caía.

sábado, 27 de junho de 2009

Cinzas...


Estava num olhar perdido que sob a luz e a roupa cinza,me transmitiam uma visão do sagrado. Dormia por sobre este mesmo azul de olhos marejados de incompreensões. Era a cor que exalava uma essência de um ser contraditório. E falar a palavra cinza me fazia estimar a dor de não poder segurá-la contra mim. Dispersas eram as sensações, mas imensas ,imensuráveis. Apareceram também quando depois do calor de tantas trocas, algumas coisas sobraram. Sobrara o vazio de querer a atenção daquele intenso fogo que almas irmãs alimentaramm. E que não mais se saciam,por sobrar a impossibilidade de estarem juntas. Sobrava a descrença em um futuro promissor. E insistentemente sobrava a tristeza por ver mudada a face branca de paz profunda em negro -cinza,que se afastava de mim. Em cinza ficou aquela impressão de que poderia ter sempre aquela mesma pessoa com quem contar. Cinza o meu amor, retrato de grandes chamas, resultado de grandes decepções que fiz valer. A auto afirmação riscou o fogo da transformação, o medo de não suportar a vida, de não mudança,alimentaram as labaredas. E transformou-se em fim o que eu supunha eterno. Sem clareza de detalhes, sem as tonalidades esperadas, com a separação certeira de luz e sombra,ofertou-me a sombra das dúvidas que um dia esperei nunca ter. A vivacidade,o ardor,a impetuosidade de ser o que se é,de amar intocavelmente... Eram, agora,cinza apenas.

domingo, 24 de maio de 2009


Naquela réstia de manhã resolvi arrumar o que estava por vir. Era uma atitude engraçada, apostar no que não se vê e andar pelo fio dos dias como quem supõe. O ânimo e a visão das coisas tinham mudado, sofriam interferências do caos externo que os olhos acompanhavam todos os dias. De águas factuais estagnadas que viravam lágrimas por sentir ausência. Ainda assim, algo me trazia ao centro, como quem puxa do alto de uma árvore,uma criança amedrontada. Alguém já estabeleceu o que é suficiente? É estranho notar que a gente se esquece,quando imersa em pensamentos vãos, a grandiosidade da companhia e da amizade daqueles que nos mostram o caminho do centro a todo momento. A inquietação para viver nos impede de vivenciar como quem registra,o carinho e a atenção de que somos alvo por parte daqueles que nos amam. E esquecer, é amontoar coisas inúteis. É manter nos armários os sapatos gastos dos caminhos tortuosos que me fizeram chegar aqui. Livrar-me deles,é uma opção. Permitir secar as lágrimas que me escureceram a visão do possível,do que depende de mim, e do que a consciência faz maltratar inutilmente. Um paradoxo. Há gastos de energia que não levam a lugar nenhum. Um desperdício dos dons,uma contradição. Saber-se amada,e não se sentir digna, ver o amor, e não saber retribui-lo como quem é majestosamente grata. Dizer não ao encontro, à visita, às conversas. Era um isolamento preciso,para reencontrar-se,mas não necessário,para não negar a vida em sua forma simples e de agora. Apesar da tristeza, abrir as janelas, convidar a me ser novamente quem sou. É um dos planos de uma clara manhã cujo brilho espero não esquecer.

terça-feira, 24 de março de 2009

Perdoem-nos pelos dias difíceis.


Quando dobrei a esquina, Eduardo me deu tchau. Era tardezinha, dessas em que a gente chega a ter pavor ao olhar o laranja do céu, porque o dia vai e a noite vem e com ela, os pensamentos desgastantes do dia vivido.Pior quando não vivido.
Pensamentos laranjas incitando sombras de azul. A noite estava quase ali.
Já tinha encontrado Eduardo de manhãzinha. O contexto,entretanto, era outro, e ele pôde falar como quem tem um ombro e um olhar: cúmplices naquelas atividades diárias.
Convíviamos indiretamente, uma maneira divertida de conhecer um pouco sobre as pessoas era esse: o tempo de duas aulas semanais por mais de um ano. Isso não entregava os sentimentos mais internos, mas definitivamente fazia compreender o humor, a energia, e os lados positivos e negativos de tantas relações.
Eu me sentia um alvo,ou uma espécie de apoio. Eram trocas sensíveis entre o ser e o não ser, o desejo e o carinho por todos aqueles a querer poupar-lhes a tristeza das tentivas frustradas e,ao mesmo tempo a intensa vontade de cuidar, e abrir-lhes os olhos para a parte áspera de um real que eu mesma olhava atônita e...duvidava.
As situações eram tantas, as horas traziam à tona as mais diversas observações.
Naquele dia mesmo, ao esbarrarmos na escada, ele me contou das suas pretensões de futuro. E eu,achei lindo. Dei-lhe força e procurei não transparecer a minha tristeza por eu ainda não ter alcançado todas as minhas. Mas a esperança existe,afinal. E depois, numa outra oportunidade, falamos dos passos a dar, do que era possível dentro de nossas supostas "realidades". -Às vezes isso pode estar ocorrendo,pelo simples fato de você poder me ajudar a ser mais ágil perante as coisas.. e eu te ajudar a buscar algo para ti..." Sim,foi assim que ouvi. Fiquei a pensar em todos os dias que sonhos nos são confiados, inquietações nos são entregues sem que sejam tratadas com a atenção devida. Quanto tempo e espaço no universo poderia ser usado a fim de cuidarmos melhor de nossas inquietações. De certo ,assim, existiria menos o sentimento de solidão e o laranja pareceria mais leve:consciência e coração limpos por saberem que conseguiram suprir todo o lado humano dos que por ali passavam. Aquela esquina a falar insistentemente de coisas não ditas, a mostrar ao final dos dias tudo que poderia ter sido se o tempo do azul fosse maior entre nós.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

A analista de tipos ou o mal de conhecer.


Já não era incomum sentir aquele aperto no peito de quem vê por através dos gestos, aparências e dos olhos.Ela sabia que conhecia. E era tão denso o seu conhecer que andava em busca do gesto que fugia ao comum, um gesto original para impulsionar-lhe a vida.
Desesperava-se.
Houve uma época em que duvidava daquilo que via e passava horas a questionar e a observar nos dias, as formas de apreciação das relações...mas,não mais. Agora era claro e evidente.
Pessoas entregavam-lhe intuitivamente suas condutas, internas e externas.
O cara dos instrumentos a viver da variação dos sons, dificilmente permitia-se variar as idéias ou a rotina a que um dia se submeteu. Sem comentar do orgulho.
Mal enxergava que a entrega a uma insistência privava-lhe de diferenciar seus próprios ritmos e caminhos. Ela desvendava-lhe todos os mais profundos impulsos e sentimentos.
A moça dos espaços acreditava que a existência era impossível sem a aplicação de sua ciência, assim como também acreditava ser aquela matemática, a achar que era do reino das impossibilidades a falta dos números. A artista a imaginar fromas invisíveis para preencher as divisões entre tempo e espaço.
Cada um via o mundo a seu modo e à sua forma mas, quantos imaginavam o seu avesso?
Nem mesmo a analista conseguia se desvencilhar de tudo que herdou. As causas, o profundo dos porquês, o interno dos tipos que tinha ao seu redor.O conhecimento que lhe saltava aos olhos: perguntou-se de onde viera aquela capacidade. Seria alguma maldição? Força do destino, sina,desígnio dos céus? Escolha,vontade,acaso?
De que adiantava seu dom se ele não ultrapassava as paredes de si mesma? Ou até mesmo a parede dos ouvidos e olhos que encontrava por aí? Estava certa de que não trascendiam.
Levaria consigo aquelas visões que já lhe tiravam a tranquilidade da esperança em surpreender-se.
Todos os que diziam que ela não sabia viver enxergavam o papel nela impresso, o seu cartão de visitas: a analista que não sabia finalizar suas conclusões. O coração a bater alto confundia-lhe os sentidos. Enxergar(em) além...era difícil sim.
Ficavam a imaginar quantas coisas já não tinha ela vivido para poder escrever assim...Nem podiam mesmo suspeitar, a sensibilidade que lhe era tão cara, rica a deixar estragar percepções imensas, o fruto belo e maduro não colhido do pé.Os afetos não vividos, as emoções negadas.
Mas a vida queimava a todos, em todos. Raios de sol a maturar sementes, a despencar os tais frutos. Inquietação do sol refletidos ali.
Era engraçado assisti-la passar como quem assiste a um drama estrangeiro sem poder mudar-lhe os rumos do fim. Ela gostava de acreditar afinal, que aqueles motivos eram de alguma forma nobres para cada ser assim caminhar.
E mesmo quem lhe enxergava o mais profundo, não a fizera aprender a conhecer em si mesma tudo aquilo que ainda não fora vida. Desconsolada de sua desperdiçada intuição,ia preenchendo seus famosos formulários de ser quem se é,com espaços em branco e a nítida impressão de que seus sonhos mais íntimos guardavam-se ocultos em sua parca porção de vida.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Eu, pássaro raso...



É, então eu pousei.
Neste espaço em branco me voltam à memória os dias espaçados e também vazios que as férias me proporcionaram. Uma sensação de que algo se transformou me acompanha, persistindo da manhã até à noite e, mesmo que não fique ainda tão clara com a luz do dia , faz voltar a brilhar a rotina que me acrescenta certo sentido.
Sentidos são sentidos, nem sempre é possível expressar aquilo que nos toca na alma,mesmo que as aves voem e sigam seus rumos instintivamente. O tamanho do vazio que faz com que eu me proteja só é visto lá do céu, onde as nuvens imensas povoam as habitações e apenas um regente central as comanda. É Ele o dono das aves do céu, dos peixes do mar e dos humanos,que habitam entre os dois.
E fico a olhar o horizonte, tentando relembrar o rumo, aquele que um dia nasceu comigo mas cujo instinto do ponto de chegada vejo desbotar.
Já não sei o que é intuir e o que é refletir,nem mesmo sei o que me separa do animal que seu canto oferece aos lugares por que passa. Se me recolho ao silêncio é para ouvir melhor a voz que chama ao descanso das responsabilidades barulhentas que um dia aceitei.
Não me junto a festas e vôos em bando, já não me satisfazem as multidões, nem as músicas de cores e flores que glorificam por aí.
Sou raso, prefiro as cores sós,e fico a observá-las e a tentar descobrir quantas diferenciações existem em um mesmo tom. Memso que de longe, afinal...a distância nunca me impediu de saber onde pousar.
Sustento a força da solidão quando vez por outra ouso visitar os que me querem bem. Também os quero bem,mas sou o pássaro raso.
Desta espécie são os costumes mais esquisitos e as grandes habilidades de defesa adquiridas ao longo da vida. Procuro a defesa das prisões,sejam elas frágeis ou extremas. A defesa dos dias em que não sabia bem o que cantar,ou como cantar e preferi o alento das folhas das árvores, da mãe natureza, do olhar para mim mesmo ao invés da decepção dos que pararam para me ouvir,sem saber exatamente o quê,sem eu ser exatamente o que queriam que eu fosse.
Há dias em que não se pode dizer nada e até o mais silencioso dos pios é capaz de acordar os ameaçadores donos de gaiolas. Sim ,tenho pavor delas e contraditoriamente não me importaria de por lá ficar,e cantar e ofertar tudo que recebi de meu Criador... mas só se mantivessem a porta aberta.
O Senhorio nem sempre sabe ver a necessidade de nós, os pássaros rasos.
Eu mesmo ainda estou aprendendo a ver.
Prefiro evitar as armadilhas e cantar a certa distância de segurança, onde me permito ser eu, a mim mesmo,sem restrições , e me permito ser eu ,para você, da forma como você prefere me ver.
A distância ofusca os defeitos. A eles já nos basta a consciência a dar peso.
Se a liberdade existe por entre os tempos e em meio aos desejos alheios, existem os vínculos fortalecidos pelo conhecer quem sou, existem feridas sendo curadas, afetos sendo cultivados , vidas em renovação,construção e descobertas ímpares que na lida com todos,cada um se dá.
São as condições da vida de um pássaro que não me tornam tão livre o quanto eu gostaria, mas livre o suficiente para não fugir à minha sina de voar grandes espaços.
A um pássaro raso, o meu respeito e compreensão.
À minha compreensão o assentimento de quem se viu um dia, rasa ,e profunda...simultaneamente.
Sabes como é grande o mundo e no entanto,cabe aqui dentro de mim.


Melodia 1: Toda a gente quer compreender a pintura. Porque não há nenhum esforço para compreender a canção dos pássaros? (Pablo Picasso)
Melodia 2: "Uma ave não canta por ter uma resposta, canta porque tem uma canção".(Provérbio Chinês)