quarta-feira, 22 de outubro de 2008

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Estou aqui sentada e escuto você suspirar com aquele ar de "ah,mas que merda...agora então você resolveu também fazer barulho". E imagino a continuação dos pensamentos: "Já não basta ocupar o mesmo espaço que eu e que toda a minha conveniência desejam só ?Já não basta me apontar os erros e cutucar as feridas?".
-Não,não basta. Eu quero a cura...Mas rio sozinha. Um riso denso e triste.

São lentos e grandes os dias em que nos fizeram conviver. Eles parecem nunca passar. E todas as coisas que não dizemos se prende sob nossos pés. E nos arrastam pesadamente, e doem os ataques ,até mesmo os silenciosos. E tudo se corrói quando a consciência diz que podia ser compreensão.

-Fizeram-nos conviver?
-Não sei.
-Foi eu,ou foi você?
-Não sei. Mas nestas horas gosto de pensar no benefício das escrituras do destino.
É mais doce pensar que um dia,nas estrelas, determinaram que fôssemos viver assim, até cumprir o nosso papel.
-Pois eu espero ansiosamente pelo dia que puder abandonar este papel. Ou qualquer papel, e possa vaguear por entre as tardes sem a tormenta do convívio diário,sem a voz estridente da denúncia.
-Ah,mas não te contaram da co-dependência do claro e do escuro?
-Não,mas eu não vou deixar que me atinja.O seu olhar de desprezo...quando quer estar com a razão, e estampa títulos, conhecimentos, convicções, mas insistentemente não age como prega.
-É,realmente, é pedir demais!
- É pedir demais querer ser louvado quando ao exercer suas funções,por mínimas que sejam,não exerce medidas justas. Sim,é!
-Bom, antes que te disperses, por que não dás vazão à voz que vejo transbordar silenciosa,nos intervalos de suas declarações soberbas?
-Blasfemas!
-Então diga-me, quais os motivos para querer sempre erguer a cabeça acima da multidão enquanto vives interiormente mergulhado nas profundezas da insatisfação?
-Pelo amor de Deus,saiba ousar. Mexa-se!
-Mas que sabes tu que, às custas do comodismo alheio deixa pesar seus ombros com a inquietação de não agir?
-... (Silêncio)
- Detestas a franqueza. E não por acaso ela desnuda suas fraquezas.Que você evita. Que você renuncia. Não vês que é a fim de superar que as evidencio?
- Se você escolhe morrer paralisado,contendo , reprimindo e sufocando quem você é de fato,em nome de manter os velhos padrões,sinto te informar: estás prestes a integrar para sempre a legião dos escravos do ontem.
-Sorte a minha. Eu prefiro integrar a categoria dos escritores do amanhã.
-Mas não são estes os que mudam a ordem dos produtos e alteram os fatores e atrevem-se a ir onde ninguém foi? Isto não lhe soa medonho?
- Ah,meu querido...entenda! A audácia não é mais medonha que a submissão. Enfrentar não é mais assustador que omitir-se.
-Hum,estou com sono...
-Ah, já era de se esperar...e no fim,voltas a dormir.
-É mais fácil,não?
-Enquanto dormes,fico a velar...e a tramar os planos para o crime perfeito de finalmente te ver acordar...
E desesperadamente, volto a sorrir sozinha...
...Não é à toa que dizem pra botar a mão na consciência.

sábado, 18 de outubro de 2008

Ensaio para uma realidade.


-Ela voltou!
-Quem,mulher?Está ficando louca?
-Ora, não finja que não sabe. Você reclamou a ausência porque ela te permitia mover-se. Uma vez até mesmo me disse que sem ela seus dias não seriam mais os mesmos,porque a graça corria o risco de se esvair por entre a mornidão. Esquecestes?
-Ah, sim...lembro-me. Naqueles dias eu até sofria com a ausência . Depois de alguns tempos passados, achei melhor esquecer. Ou fingir. Resolvi conviver com a dívida. A dívida que fiz quando a conheci e nunca mais paguei. Apenas aumentei ,apro-fundei. Me afundei.
- Mas não era preciso ... Sabes que ela perdoaria os teus não feitos. Ela sempre soube dos seus limites e nunca te forçou a ser quem você não É. Sempre,sempre mesmo te estendeu a mão pra voltares a abraçá-la.
-Sim,sei...Mas é com certa tristeza que sinto que a decepcionei. Deixei-me levar pela negligência e a omissão. Não há volta.
- Sempre há volta quando os caminhos ainda existem e as estradas unem dois pontos. Deixe disso, venha vê-la. Está à porta ansiosa por te ver...confessou-me ao ouvido que nunca deixou de te amar e que sabe que fazes parte dela assim como ela de ti. Somos uma família,querido. Não te negues à inquietação.
- É,tens razão. Uma família. Daquelas que nada nem ninguém separa e que a cada queda se fortalece. Só nós sabemos da nossa União. Mas bem,sabemos que ela se foi.E quando partiu,levou junto o meu olhar intenso. Nossos vizinhos costumavam dizer que tinham inveja de nós,lembra-se?
- Claro que me lembro! Mas só você não consegue enxergar que ela nunca partiu e nunca deixou de estar nas bocas e pensamentos daqueles que a conheceram. Ela apenas foi crescer um pouquinho,mas sempre esteve aqui,entre nós, cada vez mais presente e amorosa. É uma filha, querido. Quando nos sai das entranhas, há de levar-nos sempre um pedaço da carne, mas há de deixar sempre um pedaço do espírito.
- E levou... a melhor parte da porção. E deixou,mais que isso.
- Pronto,admitistes. É por isso que te amo,querido. Sempre consegues enxergar a verdade por trás das mentiras que nos contam. É esta voz da essência que mais vale. Desde que formamos esta família soube que nunca a trairia nem deixaria de ouvir...agora vem cá ,dá-me a mão.
-Sim,criatura.Vamos abraçá-la e finalmente cantar ,e viver e amar as coisas e fatos e gestos que há tempos adiamos. Obrigada por me chacoalhar. Não fosse você,eu viveria em estado letárgico por muitos anos afora. Devo-lhe também esta dívida perdoada... Te amo.
-... Nem tudo que por muito tempo dorme está passível de morrer dormindo.
Agora viva,querido. É tudo que lhe cabe ao nos acrescentar a soma de tantos valores.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Tênues linhas...ou : A centrada e insistente garoa.(Tema para uma suposta abstração).



Insistiam pra que levasse o guarda-chuva. -E pra quê?Ela dizia.Se a chuva nem está para cessar e nem para molhar de tudo?
Gostava de andar debaixo daqueles pingos finos e gelados que não a ensopavam,nem incomodavam. Apenas caiam, dando-lhe a sensação de que aquela chuva era a expressão mais bela de um ponto em comum entre as coisas. Um ponto que não era quente nem frio. Nem seco ou molhado, nem grande ou pequeno.
Quantas vezes temera o meio das coisas mas,principalmente das relações e sensações?
Sentia o meio como a conotação ruim da mediocridade. Como se fosse algum pecado não tomar partido algum e caminhar no meio de certas idéias.
Então um dia,descobriu a diferença. Entre tudo,todos,idéias e imaginações.
Existiam tênues linhas que permitiam ter a graça dos dois opostos. Triste era que até chegarem ali,nesta visão,demoraria muito. Mas muito mesmo. Porque a compreensão e aceitação das diferenças e ainda- o elo do comum entre elas- era visível apenas a quem abria as portas de sua sensibilidade.
Inumeráveis linhas,que tantos confundiam e faziam nós em seus novelos de ilusões. E muros. E grades com alarmantes defesas.
Linhas como as que separam o amor da dependência, a sanidade da loucura, a firmeza da estupidez, a força da arrogância, a autoridade do autoritarismo, o bom humor da seriedade. E quais eram os pontos que separavam o homem do menino,a menina da mulher?Bem,estes,talvez,fossem os mais difíceis...
Mas, ...ela agora via o ponto de intersecção. Um ponto que ela guardava na memória quando nas difíceis aulas de matemática conseguira prender sua atenção para apreendê-lo naquelas àsperas palavras do professor,que ela pensava que a perseguia. Era difícil admitir a dificuldade naquela época,mas agora não era mais.
Voltara-lhe à memória este ponto quando de uma oração veio o sentimento de encontro.
"O infinito amor de Deus flui para o meu interior e em mim resplandece a Luz Espiritual de Amor. Esta Luz se intensifica,cobre toda a face da Terra e preenche o coração de todas as pessoas com o Espírito de AMOR, PAZ, ORDEM e CONVERGÊNCIA PARA O CENTRO."Ah,como agora se tornaram claras as coisas.
Aquele centro apreendia aquelas diferenças , que eram origens de tantas brigas e desentendimentos, desordens e desarmonias. Podia guardálo dentro de si e também espalhar como quem cultiva a Nova Terra.
Mas sabia do tempo certo para as plantações.
E continuava a caminhar então, silenciosamente, entre a centrada e insistente garoa que a fazia simplificar tantas abstrações . Entre a liberdade a insistência quanto ao guarda chuva. Que ela humanamente dispensava e divina e secretamente, carregava dentro de si para guardar as chuvas de incompreensões que torrencialmente caíam por sobre ela.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Fugas...


Um dia, contaram que ela havia se isolado.
E eu nem dei por falta, pois a convivência resumia-se a secas palavras trocadas em ocasiões que não se podia evitar, por que ah!, todas aquelas que se podiam evitar eram evitadas.
Já não notava mais de qual lado, visto que as ilhas,quando separadas por longas distâncias de mares azuis ou poluídos, já perderamm a noção dos lados.
Só sabia que aquele sol em comum a incomodava.
Se ambas viam a mesma luz, porque uma escolheu olhar para o brilho enquanto a outra insistia em prestar atenção às sombras?
Este incômodo a fazia respirar com dificuldade aquele antigo poder de escolha que lhes foi dado. Não absorvia aquele ar de indiferença, quando as visões que a cercavam insistiam para compartilhar os frutos e as flores que o sol ofertara...Ora!Aquelas sombras impediam que aquela habitante, ao mesmo tempo tão distante e tão próxima, desfrutasse desta gratuidade e beleza das coisas simples e imprescindíveis a sobreviver, ao Viver.
Então Eu recordava as palavras do profético Jeremias: "Que eles procurem você,e não você a eles". Porque minha procura foi intensa e exaustiva. E deixei-me guiar por um amor oracular. Um amor que nunca distinguiu as paredes que os erros e as consequências das preferências do ser amado impunham por entre e através os seres. Esquecia-me que opções alheias vez por outra viravam proibições para seus passos. Mesmo que fossem os mais sutis e rebuscados passos de amor. Não se pode adentrar espaços onde o isolamento fez morada e a fuga, fez-se a maior companheira.
Porque fugir é mais fácil. Mais fácil do que admitir,enfrentar, arriscar e crescer. É mais cômodo não se permitir os conflitos necessários à transformação. É Mais Para Só depois conseguir entender que se conquistou o Menos. Menos sabedoria e Evolução para além do Existencial...Menos lembranças de que se conseguiu ser você mesmo.