sábado, 22 de agosto de 2009

No chão do quintal estavam algumas folhas secas e a poeira espalhada que remetia às ações dos homens povoando aquela região. A imagem recortada de um céu acinzentado prometendo tempestade, fazia diluir em seus olhos a esperança de que seu tempo de compreensão e vida havia chegado. Nunca tinha sido permitido a ela entender as raízes. Não porque não quisesse. Uma planta pairando no ar quer sempre completar-se pelo chão,pelos espaços que ainda não explorou. Mas todas as vezes que algo ameaçava se fixar, o tempo móvel lhe desarrumava tudo. Cresciam ao seu redor as pontes em pedaços que lutava por concluir. Nunca chegara ao outro lado, ao outro que podia então oferecer-lhe raízes tão profundas que a presenteriam com a tão esperada sensação de fazer parte de um sentido. Não achava justo pensar que teriam que lhe conceder a volta para casa, mas não mais justo era pensar que a conquista dos mapas,do verdadeiro caminho, custava-lhe tão caro e era sempre passível de transformações que não poderia reter. O tempo - móvel. Sempre impedindo que esquecesse de vez a condição de humana mortal,limitada e presa naquela solidão.O espaço,ao seu redor. Tempo e espaço denunciando ausências e desvios de rota. Difícil confessar sua fragilidade quando tanta coisa a segurava suspensa no ar,talvez impossível:os ramos a prendiam naquelas relações incomuns,a fim de permitir a sobrevivência às outras espécies. Não reclamava, mas já se sentia sufocada.
Sabia que Não lhe bastavam as raízes podres,que ela enxergava tão nitidamente daquele ponto onde estava, raízes cujo centro estavam sempre corroídos pela falta de entrega. Grandes ruínas sobravam, presas das raízes que sufocavam expansões. A visão ao menos a impedia de maldizer sua condição de ali existir como um sólido apoio. Suspensa entre a chuva e o sol, sombra e ventania, pedaços de si caídos e levados pra longe, outros surgindo; no eterno ciclo de ter que refazer-se, procurava dentro do todo o que sentia: o que haveria de ficar? De tudo que até então alcançava,já se despedia, e já que não lhe davam o chão, vislumbrava do ar o sonho dos novos lugares e caminhos por onde,um dia,quem sabe, chegaria a experimentar. Machados e construções, vizinhos desmoronados, cortes profundos no pouco que era,não a impediriam de conhecer sobre si,a cada dia, a sua versão maior até enfim...libertar-se.

domingo, 2 de agosto de 2009


Naquela tarde de inverno, senti um ar gelado adormecer os meus pés. Pensava que meus pés e também minha alma adormecida bastariam para deixar todas as coisas em seus devidos lugares, sem mudança alguma ou centímetros a mais ou a menos de qualquer movimento. Eu tentava inutilmente espremer no espremedor de alho, algumas nozes que ficaram de outra estação. Gostava de comê-las com banana, tudo amassado, para lembrar o sabor do sorvete que em tardes felizes, eu costumava ter como predileto. Fiz uma força danada e eis que ...o espremedor quebrou. Terminei de comer o que restava e fui para o quarto.
Em vão tentei pegar a fechadura: também estava quebrada! Voltei à cozinha e peguei o espremedor de limão,tentando fazê-lo funcionar como um tipo de alicate improvisado. Pensava então olhando para aquelas quebras repentinas: podem as coisas sair de suas funções? Podem as pessoas mudar o caminho para que foram feitas? Podem pequenas coisas nos transmitir sinais,coincidências, que há uma semana se repetiam?
Estes pensamentos me inquietavam e eis que ao fazer força para "espremer" a porta e tentar abri-la também aquela "peça",tão específica,...quebrou.
Num devaneio de alguns segundos lembrei-me da origem e do tempo daqueles objetos agora todos partidos. Eram os objetos rotineiros de uma vida em comum que fora alicerçada por almas indecisas, eram sinais remanescentes de uma vida partida de todos a quem dava tanta importância para manter saudável sua vida interior, seus afetos, vontades de carinho e cuidados...eram parte de algo que um dia chamou de família. Agora estava ali,uma vida que decidira começar sozinha, para ver até onde era capaz de chegar. Enchera-me no entanto de sonhos, não estava tão só assim. E descobri então que desertos em preto e branco também abrigavam anjos perdidos. Mesmo mantendo ainda o receio de encontros ,sentindo como se minha própria alma ficasse exposta e todos estivessem à espreita pra classificá-la...dei-me a chance de sair dali. A sensação que tinha, ao caminhar para o então desconhecido,era a de que fui feita pra gritar, e não gritava. Fui feita pra denunciar, apontar...e não o fazia, e talvez nascessem dali aquelas doenças.
Mas no fim do inverno, naquele céu cinza ponteado de azul,no sol baixo dando brecha ao escuro, vi aquela luz acender. Vi coisas que pareciam tão concretas se quebrarem. Senti o rompimento com aquele passado amargo e aquele silêncio insano. Senti também a reconciliação com todos que um dia partiram. Mas a vida estava prestes a mudar. E não haveria meio de estancar a esperança adquirida. Assim também viera afirmar a chuva que,naquele momento, torrencialmente caía.