
É, então eu pousei.
Neste espaço em branco me voltam à memória os dias espaçados e também vazios que as férias me proporcionaram. Uma sensação de que algo se transformou me acompanha, persistindo da manhã até à noite e, mesmo que não fique ainda tão clara com a luz do dia , faz voltar a brilhar a rotina que me acrescenta certo sentido.
Sentidos são sentidos, nem sempre é possível expressar aquilo que nos toca na alma,mesmo que as aves voem e sigam seus rumos instintivamente. O tamanho do vazio que faz com que eu me proteja só é visto lá do céu, onde as nuvens imensas povoam as habitações e apenas um regente central as comanda. É Ele o dono das aves do céu, dos peixes do mar e dos humanos,que habitam entre os dois.
E fico a olhar o horizonte, tentando relembrar o rumo, aquele que um dia nasceu comigo mas cujo instinto do ponto de chegada vejo desbotar.
Já não sei o que é intuir e o que é refletir,nem mesmo sei o que me separa do animal que seu canto oferece aos lugares por que passa. Se me recolho ao silêncio é para ouvir melhor a voz que chama ao descanso das responsabilidades barulhentas que um dia aceitei.
Não me junto a festas e vôos em bando, já não me satisfazem as multidões, nem as músicas de cores e flores que glorificam por aí.
Sou raso, prefiro as cores sós,e fico a observá-las e a tentar descobrir quantas diferenciações existem em um mesmo tom. Memso que de longe, afinal...a distância nunca me impediu de saber onde pousar.
Sustento a força da solidão quando vez por outra ouso visitar os que me querem bem. Também os quero bem,mas sou o pássaro raso.
Desta espécie são os costumes mais esquisitos e as grandes habilidades de defesa adquiridas ao longo da vida. Procuro a defesa das prisões,sejam elas frágeis ou extremas. A defesa dos dias em que não sabia bem o que cantar,ou como cantar e preferi o alento das folhas das árvores, da mãe natureza, do olhar para mim mesmo ao invés da decepção dos que pararam para me ouvir,sem saber exatamente o quê,sem eu ser exatamente o que queriam que eu fosse.
Há dias em que não se pode dizer nada e até o mais silencioso dos pios é capaz de acordar os ameaçadores donos de gaiolas. Sim ,tenho pavor delas e contraditoriamente não me importaria de por lá ficar,e cantar e ofertar tudo que recebi de meu Criador... mas só se mantivessem a porta aberta.
O Senhorio nem sempre sabe ver a necessidade de nós, os pássaros rasos.
Eu mesmo ainda estou aprendendo a ver.
Prefiro evitar as armadilhas e cantar a certa distância de segurança, onde me permito ser eu, a mim mesmo,sem restrições , e me permito ser eu ,para você, da forma como você prefere me ver.
A distância ofusca os defeitos. A eles já nos basta a consciência a dar peso.
Se a liberdade existe por entre os tempos e em meio aos desejos alheios, existem os vínculos fortalecidos pelo conhecer quem sou, existem feridas sendo curadas, afetos sendo cultivados , vidas em renovação,construção e descobertas ímpares que na lida com todos,cada um se dá.
São as condições da vida de um pássaro que não me tornam tão livre o quanto eu gostaria, mas livre o suficiente para não fugir à minha sina de voar grandes espaços.
A um pássaro raso, o meu respeito e compreensão.
À minha compreensão o assentimento de quem se viu um dia, rasa ,e profunda...simultaneamente.
Sabes como é grande o mundo e no entanto,cabe aqui dentro de mim.

Melodia 1: Toda a gente quer compreender a pintura. Porque não há nenhum esforço para compreender a canção dos pássaros? (Pablo Picasso)
Melodia 2: "Uma ave não canta por ter uma resposta, canta porque tem uma canção".(Provérbio Chinês)