sábado, 18 de outubro de 2008

Ensaio para uma realidade.


-Ela voltou!
-Quem,mulher?Está ficando louca?
-Ora, não finja que não sabe. Você reclamou a ausência porque ela te permitia mover-se. Uma vez até mesmo me disse que sem ela seus dias não seriam mais os mesmos,porque a graça corria o risco de se esvair por entre a mornidão. Esquecestes?
-Ah, sim...lembro-me. Naqueles dias eu até sofria com a ausência . Depois de alguns tempos passados, achei melhor esquecer. Ou fingir. Resolvi conviver com a dívida. A dívida que fiz quando a conheci e nunca mais paguei. Apenas aumentei ,apro-fundei. Me afundei.
- Mas não era preciso ... Sabes que ela perdoaria os teus não feitos. Ela sempre soube dos seus limites e nunca te forçou a ser quem você não É. Sempre,sempre mesmo te estendeu a mão pra voltares a abraçá-la.
-Sim,sei...Mas é com certa tristeza que sinto que a decepcionei. Deixei-me levar pela negligência e a omissão. Não há volta.
- Sempre há volta quando os caminhos ainda existem e as estradas unem dois pontos. Deixe disso, venha vê-la. Está à porta ansiosa por te ver...confessou-me ao ouvido que nunca deixou de te amar e que sabe que fazes parte dela assim como ela de ti. Somos uma família,querido. Não te negues à inquietação.
- É,tens razão. Uma família. Daquelas que nada nem ninguém separa e que a cada queda se fortalece. Só nós sabemos da nossa União. Mas bem,sabemos que ela se foi.E quando partiu,levou junto o meu olhar intenso. Nossos vizinhos costumavam dizer que tinham inveja de nós,lembra-se?
- Claro que me lembro! Mas só você não consegue enxergar que ela nunca partiu e nunca deixou de estar nas bocas e pensamentos daqueles que a conheceram. Ela apenas foi crescer um pouquinho,mas sempre esteve aqui,entre nós, cada vez mais presente e amorosa. É uma filha, querido. Quando nos sai das entranhas, há de levar-nos sempre um pedaço da carne, mas há de deixar sempre um pedaço do espírito.
- E levou... a melhor parte da porção. E deixou,mais que isso.
- Pronto,admitistes. É por isso que te amo,querido. Sempre consegues enxergar a verdade por trás das mentiras que nos contam. É esta voz da essência que mais vale. Desde que formamos esta família soube que nunca a trairia nem deixaria de ouvir...agora vem cá ,dá-me a mão.
-Sim,criatura.Vamos abraçá-la e finalmente cantar ,e viver e amar as coisas e fatos e gestos que há tempos adiamos. Obrigada por me chacoalhar. Não fosse você,eu viveria em estado letárgico por muitos anos afora. Devo-lhe também esta dívida perdoada... Te amo.
-... Nem tudo que por muito tempo dorme está passível de morrer dormindo.
Agora viva,querido. É tudo que lhe cabe ao nos acrescentar a soma de tantos valores.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Tênues linhas...ou : A centrada e insistente garoa.(Tema para uma suposta abstração).



Insistiam pra que levasse o guarda-chuva. -E pra quê?Ela dizia.Se a chuva nem está para cessar e nem para molhar de tudo?
Gostava de andar debaixo daqueles pingos finos e gelados que não a ensopavam,nem incomodavam. Apenas caiam, dando-lhe a sensação de que aquela chuva era a expressão mais bela de um ponto em comum entre as coisas. Um ponto que não era quente nem frio. Nem seco ou molhado, nem grande ou pequeno.
Quantas vezes temera o meio das coisas mas,principalmente das relações e sensações?
Sentia o meio como a conotação ruim da mediocridade. Como se fosse algum pecado não tomar partido algum e caminhar no meio de certas idéias.
Então um dia,descobriu a diferença. Entre tudo,todos,idéias e imaginações.
Existiam tênues linhas que permitiam ter a graça dos dois opostos. Triste era que até chegarem ali,nesta visão,demoraria muito. Mas muito mesmo. Porque a compreensão e aceitação das diferenças e ainda- o elo do comum entre elas- era visível apenas a quem abria as portas de sua sensibilidade.
Inumeráveis linhas,que tantos confundiam e faziam nós em seus novelos de ilusões. E muros. E grades com alarmantes defesas.
Linhas como as que separam o amor da dependência, a sanidade da loucura, a firmeza da estupidez, a força da arrogância, a autoridade do autoritarismo, o bom humor da seriedade. E quais eram os pontos que separavam o homem do menino,a menina da mulher?Bem,estes,talvez,fossem os mais difíceis...
Mas, ...ela agora via o ponto de intersecção. Um ponto que ela guardava na memória quando nas difíceis aulas de matemática conseguira prender sua atenção para apreendê-lo naquelas àsperas palavras do professor,que ela pensava que a perseguia. Era difícil admitir a dificuldade naquela época,mas agora não era mais.
Voltara-lhe à memória este ponto quando de uma oração veio o sentimento de encontro.
"O infinito amor de Deus flui para o meu interior e em mim resplandece a Luz Espiritual de Amor. Esta Luz se intensifica,cobre toda a face da Terra e preenche o coração de todas as pessoas com o Espírito de AMOR, PAZ, ORDEM e CONVERGÊNCIA PARA O CENTRO."Ah,como agora se tornaram claras as coisas.
Aquele centro apreendia aquelas diferenças , que eram origens de tantas brigas e desentendimentos, desordens e desarmonias. Podia guardálo dentro de si e também espalhar como quem cultiva a Nova Terra.
Mas sabia do tempo certo para as plantações.
E continuava a caminhar então, silenciosamente, entre a centrada e insistente garoa que a fazia simplificar tantas abstrações . Entre a liberdade a insistência quanto ao guarda chuva. Que ela humanamente dispensava e divina e secretamente, carregava dentro de si para guardar as chuvas de incompreensões que torrencialmente caíam por sobre ela.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Fugas...


Um dia, contaram que ela havia se isolado.
E eu nem dei por falta, pois a convivência resumia-se a secas palavras trocadas em ocasiões que não se podia evitar, por que ah!, todas aquelas que se podiam evitar eram evitadas.
Já não notava mais de qual lado, visto que as ilhas,quando separadas por longas distâncias de mares azuis ou poluídos, já perderamm a noção dos lados.
Só sabia que aquele sol em comum a incomodava.
Se ambas viam a mesma luz, porque uma escolheu olhar para o brilho enquanto a outra insistia em prestar atenção às sombras?
Este incômodo a fazia respirar com dificuldade aquele antigo poder de escolha que lhes foi dado. Não absorvia aquele ar de indiferença, quando as visões que a cercavam insistiam para compartilhar os frutos e as flores que o sol ofertara...Ora!Aquelas sombras impediam que aquela habitante, ao mesmo tempo tão distante e tão próxima, desfrutasse desta gratuidade e beleza das coisas simples e imprescindíveis a sobreviver, ao Viver.
Então Eu recordava as palavras do profético Jeremias: "Que eles procurem você,e não você a eles". Porque minha procura foi intensa e exaustiva. E deixei-me guiar por um amor oracular. Um amor que nunca distinguiu as paredes que os erros e as consequências das preferências do ser amado impunham por entre e através os seres. Esquecia-me que opções alheias vez por outra viravam proibições para seus passos. Mesmo que fossem os mais sutis e rebuscados passos de amor. Não se pode adentrar espaços onde o isolamento fez morada e a fuga, fez-se a maior companheira.
Porque fugir é mais fácil. Mais fácil do que admitir,enfrentar, arriscar e crescer. É mais cômodo não se permitir os conflitos necessários à transformação. É Mais Para Só depois conseguir entender que se conquistou o Menos. Menos sabedoria e Evolução para além do Existencial...Menos lembranças de que se conseguiu ser você mesmo.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

...Esvaziar-se

Antes sentia inveja, Era como se os caminhos não percorridos trouxessem aos seus lábios cheios de sede uma penumbra de arrependimento... Era como SE. Pois naquela época apenas não entendia que os caminhos eram únicos, e ficava a fitar as palavras da amiga com a dor de quem não viveu. Ficava a olhar a paz da realização do semelhante como se lhe fosse incapaz chegar até lá. Ficava.
Que sensação inominável a de ficar, como se estivesse parada num ponto do tempo e seu ser retilínio pensava querer virar as voltas que todos que partiam dela experimentavam. Mas qual era a ilusão que não foi preciso mais que a pureza para acordá-la.
Não mais brilhavam em seus olhos o desejo de estar no lugar do outro. Dos outros. Das outras. (As amigas que percorreram caminhos que um dia ela sonhou). De que valiam as fórmulas,as viagens,os certificados e os relacionamentos expostos na vitrine de seus ouvidos? Não eram a vida dela. Porque a vida dela estava junto à calmaria de um gato. Estava junto ao simples, ao caminhar e olhar a estrelas como as formigas no chão. E sorrir com o espontâneo e estar junto aos anônimos.
Quão valiosos eram os anônimos de sua vida! O sucesso,agora... cheirava-lhe mal. E se um dia foi imprescindível, tornara-se agora um descartável vasilhame que ela transformaria em aprendizado. Porque a sabedoria era diferente das informações e do reconhecimento. Era quieta e silenciosa e deslizava por entre os dedos mais inimagináveis e evitáveis possíveis...dos outros. Aqueles outros que rejeitavam a plausível nudez dos simples. A plausível nudez dos pobres e grandes. Grandes,pra ela.
Grandes, para a sua calma adquirida e ainda delicadamente cultivada como um sol insistente que oferece a sua luz aos lugares mais recônditos.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008


Sair da visão.
Era expressamente o que buscava a cada passo naqueles dias apertados, onde a brisa se transforamava em vento gélido e cortante.
Observou as palavras não ditas e viu no afago do irmão, uma ausência.
A convivência revelava quem eram as pessoas e o tamanho de suas almas,seus medos e tempestades. Conviver consigo mesma era a maior revelação de que os tempos eram outros, e a vida deixara o seu brilho inocente para adquirir a luz melancólica de se saber responsável e consciente.Melancólica,mas não infeliz. Melancólica,mas não menos.
Não existia nem melhor nem pior. Nem mais nem menos.Todos eram o fluxo que corre para uma resolução, e a constância determinaria a ligação das raízes ao seu solo de crescimento.
Por vezes,sentia que recuava.
Via ainda as sombras de uma humanidade abundantemente perdida. E sentia-se tentada a perder-se...a voltar aos caminhos sem sentidos que pareciam permitir-lhe ser mais carente e pedinte descarada de amor.
Agora usava uma nova roupagem e os afetos eram pra ela como acessórios de luxo que vez ou outra ela se permitia receber.
Não,não era vítima.
As irregularidades e pormenores que deixaram suas raizes expostas a salvaram deste papel.
Nem era,tampouco, solitária.
Sabia dos que a queriam bem e pediam por sua luz. Então,ingrata também não era.
Talvez fosse estranha....Sim!
Evitou tanto tempo vestir aquela roupa que insistiam que lhe caía bem mas agora...ah!
Todos os ajustes foram feitos.
Sabia que já não pertencia àquela realidade, mas tinha como lição pertencer.
Caminhava então paradoxalmente pelas ruas do real e do suposto "irreal". Contraditoriamente, pelo menos na aparência...no que viam de aparência, pois que pra ela aparentar nada mais era do que Ser, ela...que também insistiam ser tão transparente.
Sair da visão,era o seu maior desejo.
E sentir de novo a brisa soar com leveza num coração renovado por uma nova fé.

sábado, 13 de setembro de 2008

From my best friend...to my blog!

Apanhadão Literário.

Dizem que ler é bom. Que enriquece o vocabulário, abre a mente, nos torna mais analíticos e faz de nós seres mais cultos. Mas acho que em todas as livrarias deveria haver uma placa dizendo: "Leia, mas não perca a sua personalidade, tampouco, sua essência".
Eu conheço e lido com muita gente e posso afirmar aqui sem pestanejar que, como é chato lidar com pessoas que eu nomeio de "Apanhadão Literário". O papo não flui legal. É uma citação literária atrás da outra. Você nota logo de início que o cara não tem idéias próprias. Ele defende teorias, contos, histórias e estórias alheias de forma visceral - não sei o que é mais chato: um cara contando um filme inteiro ou tentando resumir um livro.
Há quem se entupa de informações inúteis e parta para a guerra - o diálogo - e dispara a sua metralhadora de tolices no alvo fácil: o desinformado.
Há também quem, não tendo personalidade alguma, adapta-se à lição de moral que o último livro acabara de dar, esses são os piores.
Somos o que vivemos, não o que lemos. A leitura (quando bem empregada em nossas vidas), apenas complementa.
"Ler é uma verdadeira viagem." O triste dessa viagem é quando o viajante se esquece de desembarcar em si mesmo. ED.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Descobertas...



E havia um dia em que a palavra era a cor.
E deste dia se fizeram outros.
E o sol adentrava-lhe a pele pela janela da personagem,
A vida se debatia no roteiro dos questionamentos,das análises,
das indagações, dos porquês e dos grandes e pesados f-a-t-o-s.
Era-lhe impossível respirar sem a overdose dos extremos sentidos.
As significâncias que carregavam aqueles dias que um dia, ela chamou liberdade.
E é ser livre ver a vida pela lente das palavras e dos outros?
Pecado deveria ser, isso sim...
Não quando a visão fosse o instrumento do aprendizado das profundezas que deparam
o divino- o humano, o sonho e a realidade, o comum e o "extra-ordinário"...
Mas quando os personagens tomassem o posto da vida,o ponto da vida,
onde se encontram os sentimentos e as descobertas pessoais.



Quão belo era a personagem de Guimarães Rosa, a cena de Graciliano Ramos,
Aquela outra reflexão de Machado de Assis e de tantos outros mestres da sabedoria universal que nos legaram a abrir caminhos de consciência...
Mas viveram,para expressar...
Descobriram pela única e expressa oportunidade de serem eles mesmos...
Passaram pelas mesmas esquinas e linguagens de poder que hoje nos cercam, as mesmas ordens e desordens que nos regem...
...a nós...
humanos orientados e des-orientados a viver diante de um sistema transferido por gerações e gerações.
A nós,
Divinos despertando para a condição.



Com ou sem grandes ou notáveis alterações, é o sistema que nos leva a querer sempre mais das informações, a buscar o domínio do dito " conjunto complexo dos códigos e padrões que regulam a ação humana individual e coletiva "
E me lembro de quantos morreram em defesa da ideologia do "Abaixo ao sistema"
e que seguiram a intuição que se respira nos dias de alegria imprevista e riso inesperado...
...choro contido ou escancarado...
E se entregaram...
...àquela graça gratuita de se ver vivendo as circunstâncias que foram o sentimento inicial para a criação de todo e qualquer personagem,
com cujas almas já contracenei,
com cujos sangues, já sofri,
com cujas vidas aprendi que todo ponto de partida é conjunto
é simultaneamente ligado entre nós,e as estrelas.
Entre nós e o espantoso imprevisto dos cotidianos interligados.
Entre nós e a surpreendente invisível rica linha da simplicidade.