terça-feira, 24 de março de 2009

Perdoem-nos pelos dias difíceis.


Quando dobrei a esquina, Eduardo me deu tchau. Era tardezinha, dessas em que a gente chega a ter pavor ao olhar o laranja do céu, porque o dia vai e a noite vem e com ela, os pensamentos desgastantes do dia vivido.Pior quando não vivido.
Pensamentos laranjas incitando sombras de azul. A noite estava quase ali.
Já tinha encontrado Eduardo de manhãzinha. O contexto,entretanto, era outro, e ele pôde falar como quem tem um ombro e um olhar: cúmplices naquelas atividades diárias.
Convíviamos indiretamente, uma maneira divertida de conhecer um pouco sobre as pessoas era esse: o tempo de duas aulas semanais por mais de um ano. Isso não entregava os sentimentos mais internos, mas definitivamente fazia compreender o humor, a energia, e os lados positivos e negativos de tantas relações.
Eu me sentia um alvo,ou uma espécie de apoio. Eram trocas sensíveis entre o ser e o não ser, o desejo e o carinho por todos aqueles a querer poupar-lhes a tristeza das tentivas frustradas e,ao mesmo tempo a intensa vontade de cuidar, e abrir-lhes os olhos para a parte áspera de um real que eu mesma olhava atônita e...duvidava.
As situações eram tantas, as horas traziam à tona as mais diversas observações.
Naquele dia mesmo, ao esbarrarmos na escada, ele me contou das suas pretensões de futuro. E eu,achei lindo. Dei-lhe força e procurei não transparecer a minha tristeza por eu ainda não ter alcançado todas as minhas. Mas a esperança existe,afinal. E depois, numa outra oportunidade, falamos dos passos a dar, do que era possível dentro de nossas supostas "realidades". -Às vezes isso pode estar ocorrendo,pelo simples fato de você poder me ajudar a ser mais ágil perante as coisas.. e eu te ajudar a buscar algo para ti..." Sim,foi assim que ouvi. Fiquei a pensar em todos os dias que sonhos nos são confiados, inquietações nos são entregues sem que sejam tratadas com a atenção devida. Quanto tempo e espaço no universo poderia ser usado a fim de cuidarmos melhor de nossas inquietações. De certo ,assim, existiria menos o sentimento de solidão e o laranja pareceria mais leve:consciência e coração limpos por saberem que conseguiram suprir todo o lado humano dos que por ali passavam. Aquela esquina a falar insistentemente de coisas não ditas, a mostrar ao final dos dias tudo que poderia ter sido se o tempo do azul fosse maior entre nós.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

A analista de tipos ou o mal de conhecer.


Já não era incomum sentir aquele aperto no peito de quem vê por através dos gestos, aparências e dos olhos.Ela sabia que conhecia. E era tão denso o seu conhecer que andava em busca do gesto que fugia ao comum, um gesto original para impulsionar-lhe a vida.
Desesperava-se.
Houve uma época em que duvidava daquilo que via e passava horas a questionar e a observar nos dias, as formas de apreciação das relações...mas,não mais. Agora era claro e evidente.
Pessoas entregavam-lhe intuitivamente suas condutas, internas e externas.
O cara dos instrumentos a viver da variação dos sons, dificilmente permitia-se variar as idéias ou a rotina a que um dia se submeteu. Sem comentar do orgulho.
Mal enxergava que a entrega a uma insistência privava-lhe de diferenciar seus próprios ritmos e caminhos. Ela desvendava-lhe todos os mais profundos impulsos e sentimentos.
A moça dos espaços acreditava que a existência era impossível sem a aplicação de sua ciência, assim como também acreditava ser aquela matemática, a achar que era do reino das impossibilidades a falta dos números. A artista a imaginar fromas invisíveis para preencher as divisões entre tempo e espaço.
Cada um via o mundo a seu modo e à sua forma mas, quantos imaginavam o seu avesso?
Nem mesmo a analista conseguia se desvencilhar de tudo que herdou. As causas, o profundo dos porquês, o interno dos tipos que tinha ao seu redor.O conhecimento que lhe saltava aos olhos: perguntou-se de onde viera aquela capacidade. Seria alguma maldição? Força do destino, sina,desígnio dos céus? Escolha,vontade,acaso?
De que adiantava seu dom se ele não ultrapassava as paredes de si mesma? Ou até mesmo a parede dos ouvidos e olhos que encontrava por aí? Estava certa de que não trascendiam.
Levaria consigo aquelas visões que já lhe tiravam a tranquilidade da esperança em surpreender-se.
Todos os que diziam que ela não sabia viver enxergavam o papel nela impresso, o seu cartão de visitas: a analista que não sabia finalizar suas conclusões. O coração a bater alto confundia-lhe os sentidos. Enxergar(em) além...era difícil sim.
Ficavam a imaginar quantas coisas já não tinha ela vivido para poder escrever assim...Nem podiam mesmo suspeitar, a sensibilidade que lhe era tão cara, rica a deixar estragar percepções imensas, o fruto belo e maduro não colhido do pé.Os afetos não vividos, as emoções negadas.
Mas a vida queimava a todos, em todos. Raios de sol a maturar sementes, a despencar os tais frutos. Inquietação do sol refletidos ali.
Era engraçado assisti-la passar como quem assiste a um drama estrangeiro sem poder mudar-lhe os rumos do fim. Ela gostava de acreditar afinal, que aqueles motivos eram de alguma forma nobres para cada ser assim caminhar.
E mesmo quem lhe enxergava o mais profundo, não a fizera aprender a conhecer em si mesma tudo aquilo que ainda não fora vida. Desconsolada de sua desperdiçada intuição,ia preenchendo seus famosos formulários de ser quem se é,com espaços em branco e a nítida impressão de que seus sonhos mais íntimos guardavam-se ocultos em sua parca porção de vida.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Eu, pássaro raso...



É, então eu pousei.
Neste espaço em branco me voltam à memória os dias espaçados e também vazios que as férias me proporcionaram. Uma sensação de que algo se transformou me acompanha, persistindo da manhã até à noite e, mesmo que não fique ainda tão clara com a luz do dia , faz voltar a brilhar a rotina que me acrescenta certo sentido.
Sentidos são sentidos, nem sempre é possível expressar aquilo que nos toca na alma,mesmo que as aves voem e sigam seus rumos instintivamente. O tamanho do vazio que faz com que eu me proteja só é visto lá do céu, onde as nuvens imensas povoam as habitações e apenas um regente central as comanda. É Ele o dono das aves do céu, dos peixes do mar e dos humanos,que habitam entre os dois.
E fico a olhar o horizonte, tentando relembrar o rumo, aquele que um dia nasceu comigo mas cujo instinto do ponto de chegada vejo desbotar.
Já não sei o que é intuir e o que é refletir,nem mesmo sei o que me separa do animal que seu canto oferece aos lugares por que passa. Se me recolho ao silêncio é para ouvir melhor a voz que chama ao descanso das responsabilidades barulhentas que um dia aceitei.
Não me junto a festas e vôos em bando, já não me satisfazem as multidões, nem as músicas de cores e flores que glorificam por aí.
Sou raso, prefiro as cores sós,e fico a observá-las e a tentar descobrir quantas diferenciações existem em um mesmo tom. Memso que de longe, afinal...a distância nunca me impediu de saber onde pousar.
Sustento a força da solidão quando vez por outra ouso visitar os que me querem bem. Também os quero bem,mas sou o pássaro raso.
Desta espécie são os costumes mais esquisitos e as grandes habilidades de defesa adquiridas ao longo da vida. Procuro a defesa das prisões,sejam elas frágeis ou extremas. A defesa dos dias em que não sabia bem o que cantar,ou como cantar e preferi o alento das folhas das árvores, da mãe natureza, do olhar para mim mesmo ao invés da decepção dos que pararam para me ouvir,sem saber exatamente o quê,sem eu ser exatamente o que queriam que eu fosse.
Há dias em que não se pode dizer nada e até o mais silencioso dos pios é capaz de acordar os ameaçadores donos de gaiolas. Sim ,tenho pavor delas e contraditoriamente não me importaria de por lá ficar,e cantar e ofertar tudo que recebi de meu Criador... mas só se mantivessem a porta aberta.
O Senhorio nem sempre sabe ver a necessidade de nós, os pássaros rasos.
Eu mesmo ainda estou aprendendo a ver.
Prefiro evitar as armadilhas e cantar a certa distância de segurança, onde me permito ser eu, a mim mesmo,sem restrições , e me permito ser eu ,para você, da forma como você prefere me ver.
A distância ofusca os defeitos. A eles já nos basta a consciência a dar peso.
Se a liberdade existe por entre os tempos e em meio aos desejos alheios, existem os vínculos fortalecidos pelo conhecer quem sou, existem feridas sendo curadas, afetos sendo cultivados , vidas em renovação,construção e descobertas ímpares que na lida com todos,cada um se dá.
São as condições da vida de um pássaro que não me tornam tão livre o quanto eu gostaria, mas livre o suficiente para não fugir à minha sina de voar grandes espaços.
A um pássaro raso, o meu respeito e compreensão.
À minha compreensão o assentimento de quem se viu um dia, rasa ,e profunda...simultaneamente.
Sabes como é grande o mundo e no entanto,cabe aqui dentro de mim.


Melodia 1: Toda a gente quer compreender a pintura. Porque não há nenhum esforço para compreender a canção dos pássaros? (Pablo Picasso)
Melodia 2: "Uma ave não canta por ter uma resposta, canta porque tem uma canção".(Provérbio Chinês)

sábado, 27 de dezembro de 2008

Receita para uma fuga


Ingredientes:
Sua vida, a vida de outras pessoas.
Livros, obras de arte, músicas e produtos de cerne humano.
Matéria prima de um ser vivo como a ignorância, o ignorar certas coisas, a pureza, a maldade,a bondade, e tantos outros pares de sentimentos opostos e características existenciais.Também opostas.
Instrumentos: É de suma importância uma peneira.
Recipientes: O mundo- Interno e externo.
Modo de preparo:
Agarre-se a uma idéia,causa ou motivo e renuncie ao seu ser mais completo.
Escolha acompanhar apenas uma personalidade e em nome dela,ignore outras. Permita assim,restringir sua visão do conhecimento.E claro, permita ignorar,primariamente,a si mesmo.Seja cópia e esqueça de quem você era quando nasceu.
Ande rápido ou devagar, sempre quando não precisa nem de um ou de outro.
Saiba os momentos errados para fazer a opção certa.
Não se esqueça de deixar de pensar no porquê evitar aquilo que te causa medo.
Se você não pensa, a assadeira permanece untada. 100% de sucesso de seu bolo alimentar crescer.
E bota bolo nisso.
Você dá o bolo no ex colega de trabalho que está atravessando a rua e você prefere fingir que não vê. E também naquele parente que um dia disse algo que te desagradou.
Não podemos esquecer daquele sujeito que não se encaixa nos seus padrões: nem os culturais,muito menos os sócio econômicos.Quanto atrevimento ele existir,não?
E as ocasiões em que você precisava ter atitude,ter uma postura,tomar uma decisão mas não tomou.
O diferente e ignorado dá o ponto exato da massa.
Lave bem o seu ego, e deixe de molho em partes grandes. Se ao peneirá-lo,tiver dificuldade,não insista. É de partes grandes que a fuga se realiza.

Entregue-se. Seja às drogas,ao álcool ou à comida.
É uma medida rápida de acelerar o processo de cozimento.

Siga as receitas. Incluindo a leitura das citações,sem conhecer a obra completa.
Isso acaba com o espírito perceptivo,mas com certeza fará um tempero único de hipocrisia, muito saboroso aos olhos da maioria, e sua receita se tornará muito maior e mais fofa.
Há os que preferem mudar a forma de lugar. Mas também os que nunca mudam,com medo de (se) perderem. Extremos que nem raízes nem asas,salvam da mediocridade. Não importa. Para esta receita , ter superstição também ajuda. É ,afinal,uma outra boa maneira de fugir.
Pegue alguns daqueles dias em que mais precisam de você e por medo,você não vai,sabe? Não fala,não ousa e enxerga até ao desperdício. Mas não usa.
Lembre-se da dica inteligente da cozinha da vovó: Aquilo que não se utiliza...acaba estragando...se passar do ponto de acrescentar,e da quantidade, a massa não vinga.
Refogue as suas mágoas,exclua os nutrientes do recheio e fique com a casca.
Leve ao forno e acrescente uma camada de fixador de máscaras para viagem.
Não tente desenformar e, se for preciso, asse sobre a brasa do carvão.
Firme bem para que não caiam as partes do bolo. Afinal,ele não tem pontas para serem afinadas.E quanto mais reto e enformado,melhor para servir.
Sirva à vontade até que seja tarde demais para que sua consciência acorde.
Espere as visitas deixarem a festa e logo adormeça.
Isso garante o "Grand Finale" de qualquer vida.
(E não abuse demais porque um pedaço de fuga é suficiente para causar indigestão).
Bon'apetit!

sábado, 20 de dezembro de 2008

Luzes sem brilho...


É fim de ano.
Estamos a poucos dias do Natal e já sinto um certo desespero ao lembrar dos "cumprimentos" que a data exige.
Exige?
Bem, talvez não existam exigências a pessoas que se propõem a ser transparentes e solícitas com a verdade.
Conheço,porém, as intimações que as aparências tanto fundamentam e mantêm,no que chamamos de nosso "ciclo social cotidiano".
Pertencem a ele as pessoas que convivemos. Ou as que nem quase convivemos, mas que julgam nos conhecer o suficiente para darem palpites insuficientes em nossa vidas.
Tantos são os "Feliz Natal" e "Boas festas" que nos chegam de pessoas assim que, por amor ao propósito da data prefiro ignorar.
Porque "cumprimento" é também o ato ou efeito de cumprir uma responsabilidade.
E é uma obrigação moral e espiritual ser coerente consigo, cumprir com aqueles sussurros da consciência que só a gente ouve quando lê e interpreta por e a partir dela, as palavras e ações de Cristo.
Costumamos pensar na suposta "magia" que esta data nos tráz, e como no carnaval é permitido à consciência doses homeopáticas de esquecimento, aqui nos permitem, com a "graça consumista da festa", doses cavalares de indiferença à falta de atuação que plantamos ao longo de trezentos e tantos dias.
O espírito que as pessoas ficam é bonito mas já presenciei que ele pode nem mesmo perdurar até a meia noite.Para que então fingir que durou um ano inteiro a ponto de me fazer desejar felicitações que não sinto vontade nenhuma de desejar? Você já ouviu algo como :"Vamos aproveitar o tal espírito do Natal pra voltar a falar com ele, com ela? Com pessoas que por meses não houve meio de reconciliação?... Hohoho. Papai Noel riria longa e amargamente com tanta hipocrisia.
Como bem citado por meu amigo Marcelo,o Natal lembra livro O Perfume:"Num dia a orgia.No outro todos ignoram os problemas do próximo".
Ao tal inconsciente coletivo(que não acredito tão inconsciente assim) é permitido redimir-se na data do instituído nascimento de Cristo,mas havemos de convir que ser completamente remido envolve a duração e persistência da bondade...
Não esqueçamos das situações que nossa modesta situação econômica de sobreviventes nos coloca e principalmente das crianças que, sem entender o motivo das gritantes diferenças e do "por que não ter aquele presente ou doce que eu queria?", plantam em si grandes sementes de rancor.
Penso que se para cada palavra falada ou para cada aperto de mão dado houvesse uma reação em cadeia que demonstrasse cada omissão cometida ,mentira ou hipocrisia vivida, não faltariam tremores na terra, ou enchentes e respostas de nossa mãe terra para consagrar de vez a "paz na terra entre os homens de boa vontade".
A mim, um basta aos discursos vazios e às vozes silenciadas.
Porque das migalhas das luzes de Natal não se faz consciências livres. (E como não resisto, cito novamente meu amigo Marcelo: Vamos rezar pra dar um apagão no natal? Topa? Rsrsrsrs.)
Nem das hipocrisias póstumas do ano que não é mais novo, se faz vidas autências.
Se neste fim de ano,onde tantos balanços são prováveis e possíveis, para de fato transformar as relações,posso me abster de mentir,assim o faço.
Que o sentimento de Natal seja instalado em nossas vidas diárias e o balanço da virada do ano, a cada noite em nossos travesseiros. Não há maneira mais intensa e verdadeira de alcançar a paz de espírito e a certeza de se ser sinceramente feliz.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

...




Estou aqui sentada e escuto você suspirar com aquele ar de "ah,mas que merda...agora então você resolveu também fazer barulho". E imagino a continuação dos pensamentos: "Já não basta ocupar o mesmo espaço que eu e que toda a minha conveniência desejam só ?Já não basta me apontar os erros e cutucar as feridas?".
-Não,não basta. Eu quero a cura...Mas rio sozinha. Um riso denso e triste.

São lentos e grandes os dias em que nos fizeram conviver. Eles parecem nunca passar. E todas as coisas que não dizemos se prende sob nossos pés. E nos arrastam pesadamente, e doem os ataques ,até mesmo os silenciosos. E tudo se corrói quando a consciência diz que podia ser compreensão.

-Fizeram-nos conviver?
-Não sei.
-Foi eu,ou foi você?
-Não sei. Mas nestas horas gosto de pensar no benefício das escrituras do destino.
É mais doce pensar que um dia,nas estrelas, determinaram que fôssemos viver assim, até cumprir o nosso papel.
-Pois eu espero ansiosamente pelo dia que puder abandonar este papel. Ou qualquer papel, e possa vaguear por entre as tardes sem a tormenta do convívio diário,sem a voz estridente da denúncia.
-Ah,mas não te contaram da co-dependência do claro e do escuro?
-Não,mas eu não vou deixar que me atinja.O seu olhar de desprezo...quando quer estar com a razão, e estampa títulos, conhecimentos, convicções, mas insistentemente não age como prega.
-É,realmente, é pedir demais!
- É pedir demais querer ser louvado quando ao exercer suas funções,por mínimas que sejam,não exerce medidas justas. Sim,é!
-Bom, antes que te disperses, por que não dás vazão à voz que vejo transbordar silenciosa,nos intervalos de suas declarações soberbas?
-Blasfemas!
-Então diga-me, quais os motivos para querer sempre erguer a cabeça acima da multidão enquanto vives interiormente mergulhado nas profundezas da insatisfação?
-Pelo amor de Deus,saiba ousar. Mexa-se!
-Mas que sabes tu que, às custas do comodismo alheio deixa pesar seus ombros com a inquietação de não agir?
-... (Silêncio)
- Detestas a franqueza. E não por acaso ela desnuda suas fraquezas.Que você evita. Que você renuncia. Não vês que é a fim de superar que as evidencio?
- Se você escolhe morrer paralisado,contendo , reprimindo e sufocando quem você é de fato,em nome de manter os velhos padrões,sinto te informar: estás prestes a integrar para sempre a legião dos escravos do ontem.
-Sorte a minha. Eu prefiro integrar a categoria dos escritores do amanhã.
-Mas não são estes os que mudam a ordem dos produtos e alteram os fatores e atrevem-se a ir onde ninguém foi? Isto não lhe soa medonho?
- Ah,meu querido...entenda! A audácia não é mais medonha que a submissão. Enfrentar não é mais assustador que omitir-se.
-Hum,estou com sono...
-Ah, já era de se esperar...e no fim,voltas a dormir.
-É mais fácil,não?
-Enquanto dormes,fico a velar...e a tramar os planos para o crime perfeito de finalmente te ver acordar...
E desesperadamente, volto a sorrir sozinha...
...Não é à toa que dizem pra botar a mão na consciência.

sábado, 18 de outubro de 2008

Ensaio para uma realidade.


-Ela voltou!
-Quem,mulher?Está ficando louca?
-Ora, não finja que não sabe. Você reclamou a ausência porque ela te permitia mover-se. Uma vez até mesmo me disse que sem ela seus dias não seriam mais os mesmos,porque a graça corria o risco de se esvair por entre a mornidão. Esquecestes?
-Ah, sim...lembro-me. Naqueles dias eu até sofria com a ausência . Depois de alguns tempos passados, achei melhor esquecer. Ou fingir. Resolvi conviver com a dívida. A dívida que fiz quando a conheci e nunca mais paguei. Apenas aumentei ,apro-fundei. Me afundei.
- Mas não era preciso ... Sabes que ela perdoaria os teus não feitos. Ela sempre soube dos seus limites e nunca te forçou a ser quem você não É. Sempre,sempre mesmo te estendeu a mão pra voltares a abraçá-la.
-Sim,sei...Mas é com certa tristeza que sinto que a decepcionei. Deixei-me levar pela negligência e a omissão. Não há volta.
- Sempre há volta quando os caminhos ainda existem e as estradas unem dois pontos. Deixe disso, venha vê-la. Está à porta ansiosa por te ver...confessou-me ao ouvido que nunca deixou de te amar e que sabe que fazes parte dela assim como ela de ti. Somos uma família,querido. Não te negues à inquietação.
- É,tens razão. Uma família. Daquelas que nada nem ninguém separa e que a cada queda se fortalece. Só nós sabemos da nossa União. Mas bem,sabemos que ela se foi.E quando partiu,levou junto o meu olhar intenso. Nossos vizinhos costumavam dizer que tinham inveja de nós,lembra-se?
- Claro que me lembro! Mas só você não consegue enxergar que ela nunca partiu e nunca deixou de estar nas bocas e pensamentos daqueles que a conheceram. Ela apenas foi crescer um pouquinho,mas sempre esteve aqui,entre nós, cada vez mais presente e amorosa. É uma filha, querido. Quando nos sai das entranhas, há de levar-nos sempre um pedaço da carne, mas há de deixar sempre um pedaço do espírito.
- E levou... a melhor parte da porção. E deixou,mais que isso.
- Pronto,admitistes. É por isso que te amo,querido. Sempre consegues enxergar a verdade por trás das mentiras que nos contam. É esta voz da essência que mais vale. Desde que formamos esta família soube que nunca a trairia nem deixaria de ouvir...agora vem cá ,dá-me a mão.
-Sim,criatura.Vamos abraçá-la e finalmente cantar ,e viver e amar as coisas e fatos e gestos que há tempos adiamos. Obrigada por me chacoalhar. Não fosse você,eu viveria em estado letárgico por muitos anos afora. Devo-lhe também esta dívida perdoada... Te amo.
-... Nem tudo que por muito tempo dorme está passível de morrer dormindo.
Agora viva,querido. É tudo que lhe cabe ao nos acrescentar a soma de tantos valores.